Navegar Amazônia em Serraria Pequena: uma casa brasileira-portuguesa com certeza
Fotos: Jorge Vismara | http://www.jorgevismara.net
O Navegar Amazônia em sua última viagem à Serraria Pequena, comunidade
pertencente ao município paraense de Afuá no arquipélago marajoara,
além do fotógrafo brasileiro Jorge Vismara que reside em Los Angeles,
teve também a bordo de sua embarcação estudantes do Curso de Psicologia
da ISPA – Instituto de Psicologia Aplicada (Lisboa-Portugal).
Os estudantes que se encontram no Amapá há dois meses, através de um
convênio firmado entre a Universidade lusa e a Universidade Federal do
Amapá-Unifap, escolheram a região como tema para a elaboração de suas
monografias, que devem ser apresentadas em 2006 na conclusão do curso.
Foram dez os portugueses que se integraram ao Navegar Amazônia, sendo apenas um do sexo masculino (veja os nomes abaixo).
Durante três dias (18, 19 e 20) tiveram a experiência de acompanhar o
cotidiano da vida dos homens e mulheres que habitam a floresta e, de
alguma forma, compartilhar de seus hábitos e costumes. Por exemplo: os
estudantes dormiram de rede; tomaram banho de rio; comeram peixe,
galinha caipira e camarão; beberam a nossa caipirinha e o açaí na
tigela, como autênticos caboclos ribeirinhos. Não houve dificuldades de
adaptação para isso. Apenas o balanço do barco, na hora da saída, ao
atravessar as águas agitadas do Rio Amazonas, provocou enjôo em algumas
acadêmicas. Foram quatro horas de viagem até Serraria Pequena.
O
experiente fotógrafo Jorge Vismara, seguido das portuguesas munidas de
câmeras digitais, fotografava tudo o que os olhos até então não tinham
alcançado: o maior rio do mundo com suas águas turbulentas, barcos que
passavam ao longe, a floresta de árvores imensas e o céu azul-celeste
tendo sempre à frente, em primeiro plano, uma acadêmica de olhos
deslumbrantes e sorriso envolvente. E a trilha sonora mais natural do
planeta: o “chuá” das águas no casco do Navegar Amazônia.
Vismara, que ministraria oficina de fotografia em Serraria Pequena às
portuguesas, aproveitava para ensinar as primeiras técnicas de posição
e enquadramento do ponto de vista de um veículo fluvial em movimento.
Depois de saborearmos um delicioso peixe regional no jantar, e, desta
vez, singrar a tranqüilidade das águas do Rio Serraria Pequena, às 21
horas precisamente, o Navegar Amazônia aportou no cais da comunidade. A
oficina aconteceu na área de lazer do barco, logo na chegada. Vismara
passou um pouco da sua experiência de fotógrafo autodidata, exibindo em
um projetor digital algumas fotos tiradas nas viagens que fez pelos
quatro cantos do mundo. Sobretudo pela Amazônia, onde, encravadas no
coração da floresta, estavam as tigresas lusas. “É melhor tomar como
exemplo essas fotos, pelo ambiente em que hoje vocês estão inseridas e
fotografarão nos próximos dias”, dizia Vismara.
O bom rendimento fora percebido na manhã seguinte com as primeiras
fotos da turma, quando da visita do Navegar Amazônia à comunidade de
Nossa Senhora de Nazaré, cerca de uma hora de Serraria Pequena. A
floresta fechada, o rio cheio de curvas e ainda mais estreito. Um lugar
bucólico, exuberante pela própria natureza.
Sob as bênçãos da padroeira Virgem de Nazaré, as acadêmicas tomaram
banho de rio e de chuva, andaram de canoa, presenciaram a habilidade de
uma cabocla subir nos açaizeiros e ainda posaram para as câmeras
fotográficas com pássaros nativos da Amazônia nas mãos. Seu
Raimundo, extrativista da comunidade, mostrou o açaizal que sustenta a
sua família “e permite uma vida melhor a nossa gente”. Há na comunidade
uma escola municipal inaugurada em 2004.
De volta à Serraria Pequena, a oportunidade de conhecer o funcionamento
de uma serraria no meio da floresta. E é ela a principal fonte de renda
dos moradores dali. Da entrada da madeira bruta na esteira da máquina
de beneficiamento até a embalagem final do produto para exportação,
acompanhamos através de um guia. A madeira, segundo o guia, é extraída
de áreas de manejo. Ou seja, a extração é sustentável e legal. Há um
campo de futebol na área da Serraria com o piso feito de serragem,
destinado ao lazer dos funcionários. Sob um sol de quase quarenta
graus, improvisamos uma ligeira partida só para lembrar as portuguesas
que elas estavam no país do futebol. Mas o resultado, apesar da
torcida, foi desfavorável a nossa equipe. Perdemos por 4X2.
A comunidade de Serraria Pequena festejava o seu círio. Alvorada
de fogos, missa na capela, música brega explodindo nos alto-falantes,
bandeirinhas e balões coloridos ornamentavam o lugarejo.
No
sábado a procissão fluvial. O barco Navegar Amazônia foi escolhido para
conduzir a imagem de Nossa Senhora de Nazaré na procissão, seguido por
outras treze embarcações. O rio de Serraria Pequena parecia refletir um
arco-íris de fé. E todos, a bordo, entoando hinos de louvores à
padroeira: “Vós sois o lírio mimoso / Senhora de Nazaré...”. Jorge
Vismara registrava de uma voadeira, com uma lente especial, o círio
sobre as águas.
À noite, a quermesse. Primeiro o leilão cantado, depois a escolha do
melhor casal de dançarinos do tecno-brega. O espaço ficou tomado de
gente simples, e as portuguesas ainda tentaram improvisar alguns
passinhos no salão. Conforme Ana Figueiredo, a portuguesa mais
brasileira da equipe: “O ritmo é como a música pimba nossa”. E foi
brega no pimba e pimba no brega por algumas horas.
A área de lazer do Navegar Amazônia foi palco também das histórias
fantasmagóricas que povoam o imaginário amazônico. O agente cultural
Airá Santana contou, para as portuguesas, algumas dessas histórias. No
dia seguinte, Cláudia Lopes e Ana Figueiredo, mais luso-brasileiras e
curiosas do que nunca, juntaram-se ao Airá Santana e foram entrevistar
a moradora mais antiga de Serraria Pequena.
Dona Gitoca, 92 anos, contou a origem do círio do qual ela fez parte e outras histórias extraordinárias da região.
Às 13h30 de domingo deixamos Serraria Pequena rumo a Macapá. Durante a
viagem, nos reunimos para avaliar a nossa estada e atuação naquele
pedaço de Amazônia. A avaliação, em forma de depoimentos carregados de
emoção e registrados por nossas câmeras, culminou com a entrada do
barco na baía, lembrando o "Fado Tropical" de Chico Buarque e Ruy
Guerra: "E o Rio Amazonas / Que corre e traz os montes / E numa
pororoca deságua no Tejo". Ou seria o Tejo, pá!, desaguando no
Amazonas, na baía de Macapá?
ANA FIGUEIREDO
CLÁUDIA LOPES
MARIANA PINHEIRO
JOANA SOARES
INÊS SALDANHA
ANA SANTOS
MARTA MACHADO
SARA VILAR
GONÇALO VEIGA
MARGARIDA RIBEIRO
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